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quinta-feira, março 26

Na terapia, parte I: orgulho, bandeira e dinheiro

Não lembro o que estava fazendo. Talvez dever de casa, lendo um livro ou simplesmente vendo TV. Minha mãe chegou perto de mim, olhar sério, quase com dó.
- Filha, que tal fazer terapia? Acho que vai ser importante para você.

Eu, no alto dos meus 11 anos, achei por certo aceitar. Afinal, aquela cara de consternada, preocupada pelo meu destino me pareceu grave demais para dizer não. Será que sobreviverei sem terapia? O que é terapia, exatamente? Não, Isabel, foca, foca. É grave e eu preciso fazer. Vai ser importante para o futuro. Será que eu vou descobrir o que vou ser quando crescer?

Ok, lá fui eu.

É, não é de um todo mal. Por que eu estou aqui, mesmo? Ah, sim, separação. Será que eu vou ter duas mesadas?? Isabel, foca!

Havia dias que não falava nada. Entrava muda, saía calada. Havia meses que esquecia o cheque. Puuutz, que merda. Aí, tinha que ouvir: "pagar faz parte do processo, Isabel". Bah, claro, a gente paga tudo. Paste de dente, material escolar, discos, comida, por que não terapia?! como se eu fosse me tornar uma caloteira só porque esqueci o tal do cheque...

Falávamos de tudo. Ou quase tudo, ou você acha que uma criança de 11 anos não engana bem o terapeuta? rah. Esqueci muitas sessões, cheguei antes da hora, depois da hora. Passei pela fase do "cara, você P-R-E-C-I-S-A fazer terapia, é a melhor coisa do mundo!", como esqueci um milhão de vezes que quarta-feira, há dois anos, era dia de terapia! Mas, parafraseando um chefe meu: quando menos se espera a quarta-feira chega!

Certo dia, comentei sobre minha tristeza de não jogar com ninguém. Irmão mais velho e pouco interessado no assunto, pais sem paciência para jogar com a filha e amigos ainda pouco presentes no pós-escola (tá bom, eu fiz drama). No fim, ele disse para eu escolher um jogo para jogarmos na semana seguinte.

Cara, incrível! Meu terapeuta joga! Ele entra mudo, sai calado durante os 45 minutos que estamos cara-a-cara, mas ele quer jogar comigo. Claro, claro, faz parte do processo terapêutico, claro. Caramba, o que que eu levo?

Tem que ser algo não muito longo e nada que demonstre muito meu lado obsessivo, autoritário ou "quero ganhar, quero ganhar". Ok, NO War. Também não pode ser nada bestinha, supérfulo. Jogo da Vida, fica.... Banco Imobiliário é insuportável e o meu xadrez é um chumbo, fora que podem levar horas, dias, meses! Ok, só me resta um: Combate. Joguinho tranqüilo (já disse que tenho dois anos para continuar usando! e vou continuar até o fim! e, sim, vou ser a "mãe velhona que escreve errado"), fácil, se precisar explicar as regras, tá seguro. Pronto, é esse mesmo.

Esse dia não esqueci, cheguei antes e me preparei.

Não lembro se expliquei as regras. Tenho cá pra mim que ele já conhecia. Bom, enfim. Começamos a colocar as peças. Peraí... e se eu ganhar? E se eu perder? Como é que a gente fica? Tudo bem? Humilhante demais? Aiai... será que eu deveria ter começado essa história toda? É meu terapeuta, ora! Eu tenho medo dele! Putz, onde boto a bandeira, onde boto a bandeira?!???!!!! Aqui, bunitinha, cercada de bombas e números. Sim, disfarçando aqui, botando uns setes ali, e pronto. Podemos começar.

Jogo vai, jogo vem, ninguém fala muito. Concentração, afinal estou atacando meu terapeuta e... oops, bomba!

Faltam apenas cinco minutos para a sessão e, pronto, é a vez dele me atacar pesado. Ele olha no relógio e começa. Número? bomba. Três. Número? Bomba. Três. Número? quatro. Ufa. por pouco. E lá fui eu. Precisava de medidas radicais para compensar. Ele está quase lá. Número? Bomba. O que? Bomba? como assim? Estamos na segunda fila, nada demais e ele já mete assim, uma bomba???! Que estratégia é essa???!!!
E lá se foi meu general... ai.

E lá vai ele... número? Quatro. Sete. Número?

Saio cabisbaixa. Se bobear, foi dia de pagamento também. Deixei orgulho, bandeira e dinheiro. Tudo de uma vez, em 45 minutos.

Coincidência ou não, depois desse dia passei a faltar sucessivamente. Coincidência ou não, comecei a dizer que terapia não era para todo o mundo e que talvez não precisasse. Pra que, não é mesmo?

7 comentários:

Nicolau disse...

Nossa, Bel, você me remeteu a um dia muito específico que eu tinha deixado num determinado arquivo morto...

Na mesa do jantar, na sala, minha mãe vira para mim (acho que também com 11 anos) e diz que eu ia fazer terapia porque achava que eu uma criança...triste.

E eu detestava ir lá, na análise, em Ipanema. Bom, sem mais egotripias.

Beijos

Régulo Hernández disse...

Gracias por tu comentario en mi blog. Espero que te haya interesado.
Un abrazo.

Dimitri BR disse...

...daí você passou a freqüentar dois terapeutas - um na quarta, pra jogar, e um na quinta, pra tratar do trauma de perder pro terapeuta da quarta! :P

(como já te contei, meu trauma com o combate era sempre perder pra tânia; ainda assim, sigo crendo que o jogo em si já é uma boa terapia. :)

:*

ana k. disse...

bel, adoro esta história!

eu, que odiava a minha terapia de criança, acabava jogando mico -preto em todas as seções para não ter que falar ou desenhar (porque sabia que seria pega!). olha, vai ver meu trauma de jogo vem daí, viu?

beijos,

missbutcher disse...

Esse post é dedicado à Achilles Chirol, o IV.

Dimitri BR disse...

o IV ou o V?

agora fiquei confuso.

missbutcher disse...

O IV, meu caro. Pelo visto você não conhece a dinastia direito
:-)